Postado em 19 de Dezembro de 2018 às 16h52

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Especial (28)

O descarte inadequado de resíduos fármacos levanta uma preocupação sobre a logística reversa deste material e questiona quem são os responsáveis.

Por Carol Bonamigo

O descarte inadequado de resíduos e o seu consequente acúmulo tornou-se um problema mundialmente discutido. A má gestão dos resíduos sólidos, bem como a falta de consciência de boa parte da população, escalonou para proporções catastróficas, ameaçando o bem-estar do meio ambiente e dos seres vivos.

Ações têm sido tomadas ao redor do globo para minimizar os efeitos causados e, pouco a pouco, os diversos setores da sociedade têm tomado o seu lugar à mesa. No Brasil, desde 2010 a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS trouxe, através da Lei nº 12.305/2010 e do Decreto nº7404/2010, um novo marco regulatório para a gestão de resíduos sólidos no País. Entretanto, foi apenas em 2016 que chegou ao setor fármaco, com a norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas –ABNT NBR 16457:2016, contemplando a logística reversa de medicamentos de uso humano vencidos e/ou em desuso descartados pelos consumidores. A norma levou dois anos e dois meses de estudos para ser elaborada pela Comissão de Estudo Especial de Resíduos de Serviços de Saúde (ABNT/CEE–129), e busca atender à PNRS visando boas práticas nas etapas de coleta, armazenamento temporário e coleta externa dos medicamentos vencidos.

Segundo o Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade – ICTQ, o Brasil é o sétimo país que mais consome medicamentos no mundo, contribuindo massivamente para um acúmulo de resíduos medicamentosos no planeta, projetado em 12,5 milhões de toneladas, nos últimos 50 anos.

De acordo com a diretora da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES/SP e coordenadora da ABNT/CEE–129, Roseane Garcia Lopes de Souza, a preocupação com a separação dos medicamentos descartados pela população para ser enviada à destinação segura é recente, com a ABNT
NBR 16457:2016 – Logística reversa de medicamentos de uso humano vencidos e/ou em desuso – Procedimento, especificando os requisitos aplicáveis às atividades de logística reversa de medicamentos descartados pelo consumidor. Ela estabelece as exigências mínimas para proteção e prevenção dos riscos ao meio ambiente, segurança ocupacional e saúde pública, no processo de descarte, armazenamento temporário, coleta e transporte de medicamentos de uso humano provenientes de domicílios, descartados pelo consumidor.

“Os medicamentos utilizados pela população, quando eliminados, têm dois destinos: o esgoto ou o lixo. E se forem diretamente para corpos d’água, podem vir a comprometer a qualidade da água de mananciais para usos diversos, como, por exemplo, para consumo humano. Hoje, temos vários municípios e estados que já têm suas próprias legislações, como é o caso de São Paulo, que está obrigando o setor industrial e de varejo a fazer a logística reversa de medicamentos, onde o ponto de recebimento são as farmácias e drogarias”, explica Roseane.

Conforme a diretora da ABES/SP, a PNRS vem trazendo a responsabilidade compartilhada para que se possa atingir os seguintes objetivos: redução da geração de resíduos sólidos e do desperdício de materiais; diminuição da poluição e danos ambientais; e estímulo ao desenvolvimento de mercados, produção e consumo de produtos derivados de materiais reciclados e recicláveis. “Esses objetivos envolvem a sociedade na discussão de temas e, para o segmento dos medicamentos, a compra deve ser responsável e o descarte também. Mas para descartar deve existi r os pontos de coleta. O setor dos medicamentos – indústria, distribuidor e varejo – bem como o setor de limpeza pública, devem realizar orientações à população sobre o que é logística reversa, como e qual é o papel do consumidor nesta cadeia de responsabilidade. Os consumidores devem ser guiados à respeito do descarte adequado no dispensador contentor, com instruções claras quanto aos tipos de resíduos proibidos e permitidos de descarte pelo consumidor”, orienta Roseane.

Causa e Efeito

A ONG brasileira O ECO, especializada em jornalismo ambiental, informou em seu site oficial alguns prejuízos que o descarte de medicamentos nos esgotos pode causar aos seres vivos. Conforme a publicação, após sua utilização, seja na medicina humana ou na veterinária, os medicamentos são excretados pelos organismos diretamente para o ambiente, sendo transportados para os corpos hídricos, ou, quando as excreções são coletadas e tratadas, passam por estações de tratamento de esgoto (ETEs). Nestas estações, normalmente os resíduos de medicamentos não são removidos completamente devido à tecnologia ineficiente, e assim, também acabam alcançando o ambiente.

As águas contaminadas pelos resíduos de medicamentos podem ser uti lizadas para produção de água potável. Ainda conforme a ONG, nas estações de tratamento de água (ETAs), a mesma situação pode acontecer, ou seja, devido a tecnologias ineficientes, os resíduos de fármacos podem ser encontrados na água potável. Todos os medicamentos são formulados para provocar um efeito, assim, eles podem atravessar as barreiras biológicas dos organismos para chegar até o órgão afetado. Logo, devemos pensar que no ambiente eles também podem resisti r a barreiras e a degradação, sendo persistentes. Além disso, algumas destas substâncias apresentam tendência cumulativa, ou seja, elas podem acumular pela cadeia trófica, sendo essa uma via de contaminação para os seres humanos – ao se alimentar de outros animais. Além dos efeitos isolados, estudos têm demonstrado que estes compostos podem ter efeitos sinergéticos, isto é, duas ou mais substâncias juntas podem potencializar seus efeitos.

Descarte Consciente

A preocupação da cadeia produtiva no Brasil deu origem ao Programa Descarte Consciente, desenvolvido em 2001 pela Brasil Health Service BHS, fruto de amplos estudos, pesquisas no mundo todo, apoio de universidades e participação ativa de profissionais técnicos e acadêmicos. Um desses estudos apontou que é gerado um quilograma de resíduo de medicamento a cada três famílias brasileiras, anualmente, contaminando cerca de 450.000 litros de água. “Algo precisava ser feito. Desenvolvemos um programa para que as pessoas ti vessem acesso a pontos de coleta, porque coletar medicamento não é o mesmo que recolher lâmpada, ou lata, precisa de uma orientação e um cuidado muito especial, pois esse resíduo não pode cair em mãos erradas. Além da questão ambiental e de saúde, existe um risco comercial. Um medicamento, uma vez que está fora de uso e cai em mãos erradas, pode ser usado até para contrabando”, alerta o presidente da BHS, autor do Programa Descarte Consciente e relator da ABNT NBR 16457:2016, José Agostini Roxo.

Uma pesquisa da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI, publicada em outubro de
2016, se baseou em dados estatísticos levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e pelo Conselho Federal de Farmácia, para mostrar o potencial desses impactos e as suas possíveis consequências. De acordo com o estudo, a projeção estimada é de que, de 2014 a 2018, as cidades brasileiras seriam capazes de gerar até 5,8 mil toneladas de resíduos de fármacos. Esse crescimento é proporcional à taxa de consumo total de medicamentos, que também vem crescendo nos últimos anos. No mesmo período, o número de descarte nos municípios com mais de 100 mil habitantes subiu de 2.474 para 3.123 toneladas. Houve um crescimento de 649 toneladas de resíduos descartados ao meio ambiente de forma irregular nesses municípios, durante esses cinco anos.

“A Norma foi criada para dar segurança ao procedimento. A parte delicada é quem paga a conta. A PNRS prega que alguns resíduos devem ter a logística reversa e o pagamento deve ser de responsabilidade compartilhada, ou seja, quem deve pagar para esses pontos existirem é a cadeia produtiva, cada setor se responsabilizando pelo seu resíduo. Os três elos da cadeia produtiva de medicamentos são a indústria farmacêutica, o distribuidor e o varejo. E apenas quem arcou com essa responsabilidade foi o varejo farmacêutico, pois é quem atende diretamente o consumidor. E como isso não se transformou em uma Lei Federal, o varejo foi abrindo voluntariamente, eximindo a indústria da responsabilidade”, salienta Roxo.

De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias – Abrafarma, Sergio Mena Barreto, a discussão dos riscos ainda não é consensual, faltando ainda haver um acordo sobre o financiamento da logística e destinação final. “Os associados da Abrafarma estão presentes fisicamente em 790 municípios, com cerca de 7.100 lojas. Temos hoje a participação voluntária no recolhimento e destinação final adequada de medicamentos vencidos em poder da população em mais de 150 municípios, mas esse modelo (em razão de seu custo e estrutura) infelizmente não é reproduzível”, informa Barreto.

Das iniciativas para a logística reversa de medicamentos vencidos e/ou em desuso, o próprio Programa Descarte Consciente possui 1.075 pontos de coleta distribuídos em 19 estados. O Paraná, através do Sindicato das Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado do Paraná – Sinqfar, possui um plano de logística reversa para o recolhimento de remédios desde 2012, que já destinou mais de 1 mil quilos de medicamentos, por meio de 26 pontos de coleta. E o Grupo Servioeste também começou, em 2018, a atuar na logística reversa de medicamentos, disponibilizando totens e unidades de saúde para o recolhimento de remédios e seu posterior tratamento e destinação final. “A falta de fracionamento dos medicamentos faz com que o resíduo continue sendo gerado em demasia. O médico, por exemplo, prescreve 12 comprimidos para um tratamento, mas só são vendidas caixas com 10 unidades, então você compra duas caixas e sobram oito. E o que fazer com isso Felizmente, a conscientização de sustentabilidade é uma tendência irreversível. As pessoas estão sabendo que o meio ambiente deve ser preservado de todas as formas. E essa conscientização, ainda que em percentuais pouco significativos, vem crescendo, pois cada ponto percentual, em 200 milhões de pessoas, é muita gente”, avalia Roxo.

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