Postado em 26 de Maio de 2020 às 08h39

Estamos enxergando menos!

Especial (28)

Mudanças no estilo de vida tem aumentado índices de miopia no Brasil, que pode ter epidemia em 20 anos

Segue um alerta para ficarmos literalmente de olho: o número de pessoas que está enxergando menos vem crescendo no mundo e a tendência é que a situação piore nos próximos anos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os casos de miopia já alcançam o patamar de epidemia em alguns países no sudeste da Ásia, onde 90% dos jovens são míopes.

Conforme pesquisa publicada no periódico francês Opthalmology Journal, em 2010, 28% da população mundial tinha miopia. De lá para cá, o cenário mudou: a estimativa é que neste ano o número suba para 35% e salte para 50% em 2050, com metade da população obrigada a usar lentes corretivas.

No Brasil, o Ministério da Saúde estima que 35 milhões de pessoas sejam míopes e a previsão da OMS é ainda mais alarmante: o número de casos nos próximos 20 anos no País deve aumentar 89%, enquanto que em nível mundial, no mesmo período, o crescimento deve atingir 49%.

Mas por que a situação alcançou patamares tão graves?

A mudança no modo de viver das pessoas é vista como a principal causadora deste tipo de problema, antecipando complicações típicas do avanço da idade. Passamos mais tempo conectados a celulares e aparelhos eletrônicos e, embora não se tenha comprovação científica sobre as consequências deste uso em excesso, especialistas alertam que a redução do tempo ao ar livre desestimula a visão de longe e causa alterações no olho. Essas alterações que até pouco tempo eram exclusivamente consequências hereditárias, levam a comunidade científica a uma nova constatação: o estilo de vida também contribui para os problemas de visão.

Míopes cada vez mais cedo

A pessoa com miopia vê perfeitamente os objetos que estão próximos, mas enxerga de forma borrada os que estão distantes. Ainda não há pesquisas que comprovem qual é a idade com maior incidência da doença, mas a condição que até pouco tempo era comum só depois dos 30 ou 40 anos, tem sido registrada cada vez mais cedo. A OMS vem acompanhando há muito tempo a transformação visual do ser humano.

“Antigamente as pessoas viviam mais no campo e havia a necessidade de uma visão à distância. Com o passar dos anos houve mudança nas relações de sobrevivência e as pessoas foram necessitando cada vez menos de uma visão a distância. Acostumamos a ler muito mais, permanecer em locais fechados e ter uma vivência em ambientes mais restritos. Então, a tendência é que o organismo vá se adaptando com o passar dos anos”, explica o médico oftalmologista Fábio Pimenta de Moraes.

Além deste fator, o uso da tecnologia também influencia no desenvolvimento visual. A leitura, o trabalho e o lazer estão concentrados nos meios eletrônicos que facilitam o dia a dia, trazendo o foco para a palma da mão. O problema é que, quando criança, os tecidos ainda são muito maleáveis, estão em formação e o olho vai sendo moldado de acordo com sua necessidade, a partir dos estímulos a que é submetido.

“Um adulto que passa horas na frente de uma tela não vai ter essas mudanças, por já ter desenvolvido todos os tecidos. A criança não. A partir do momento que ela começa a usar a visão para perto, o olho faz esforço pra manter o foco naquela posição. Se esse estímulo é muito contínuo, o organismo entende que é preciso ajustar o olho para essa distância e esse estímulo vai causar o crescimento do olho para aquele foco, provocando miopia”, alerta o oftalmologista.

A exposição visual exagerada à televisão, computares, tablets ou celulares serve de alerta. O tempo que passamos em frente a aparatos eletrônicos e a distância de uso são fatores importantes para evitar ou gerar problemas.

“A Sociedade Brasileira de Pediatria preza por não expor a criança aos eletrônicos até os dois anos de idade. Alguns especialistas preconizam no máximo duas horas por dia para quem tem quatro ou cinco anos, e depois disso, conforme a necessidade. É importante também, adequar a distância dos eletrônicos dos olhos. Normalmente, a criança traz muito perto e a gente tem que orientar e afastar, manter uma distância segura de pelo menos o dobro do tamanho da tela”.

O tratamento da miopia só funciona em crianças e adolescentes, pois ainda há como parar o desenvolvimento da doença. Ser míope aumenta o risco de problemas como deslocamento de retina e degeneração macular, que pode levar à cegueira, reforçando a importância de detectar em fase inicial quando é mais fácil de tratar.

Além do uso das lentes corretivas, a aplicação de colírio específico vem sendo indicado para evitar esforço do olho para perto, e consequentemente, a progressão da doença. Mas a medida ainda não é totalmente aceita pelos especialistas.

“A discussão não é a eficácia do colírio, e sim a banalização do uso. O oftalmologista precisa ter bom senso na hora do diagnóstico e entender se a pessoa precisa mesmo deste tratamento. O uso, com orientação estritamente profissional, é indicado para pessoas em que a doença seja hereditária e que ainda possa progredir”, alerta o membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, Paulo Augusto Arruda Melo.

Alerta na saúde pública

Até 2050, metade das pessoas no mundo serão obrigadas a usar lentes corretivas.

No Brasil:

- 34% dos brasileiros nunca foram ao oftalmologista

- 50% dos casos de cegueira poderiam ser evitados

- 18,6% dos brasileiros têm algum tipo de doença ocular

- 74% dos brasileiros só procuram um especialista quando sentem algum incômodo na visão

* IBGE; Ibope

A preocupação com a saúde dos olhos deve começar cedo. É o pediatra quem vai indicar a necessidade de procurar um oftalmologista. Caso não seja necessário nesta fase, a orientação recai sobre a idade escolar, com o retorno definido pelo próprio especialista.

Estudos têm apresentado resultados cada vez mais eficazes nos tratamentos de problemas de visão, porém, mesmo assim, a prevenção ainda é considerada a melhor alternativa. Atualmente, 50% dos casos de cegueira poderiam ser evitados se as pessoas procurassem um médico regularmente. Isso porque, diferente da maioria das doenças, o olho com algum problema raramente apresenta sintoma. Quanto mais tardio o diagnóstico, maiores serão as possibilidades de complicações.

O glaucoma, por exemplo, é a principal causa de cegueira no mundo e atinge 1,2 milhão de pessoas no Brasil. E como 80% dos casos não têm sintomas, dificulta o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento. Se a pessoa não sente nada, não procura socorro e se inicia o tratamento, tende a abandonar porque, aparentemente, não vê avanço. Um olho vermelho pode não ser apenas uma simples conjuntivite, mas uma doença mais grave”, esclarece Paulo Augusto.

Além disso, o especialista entende que é preciso tornar os procedimentos mais acessíveis, chegando à esfera pública com a mesma eficiência que à privada.

O atendimento oftalmológico precisa ser incorporado ao sistema de saúde com a mesma importância que o atendimento a outra doença. Mas estamos longe dessa equiparação. É preciso melhorar o processo, envolvendo mais os profissionais e melhorando as condições de atendimento e tratamento oferecidas ao paciente. Da mesma forma, é preciso desenvolver campanhas para orientar as pessoas sobre a necessidade de cuidar da saúde dos olhos e fazer um diagnóstico precoce. Ainda é uma utopia, mas quem sabe um dia consigamos trabalhar apenas a medicina preventiva e não mais curativa”, afirma Paulo Augusto.

Óculos em família

A família Baggei, é o exemplo do que os especialistas preconizam: o cuidado com a visão levado a sério. Os pais, Graciela e Ivan Carlos, têm miopia e astigmatismo. O filho, Henzo, começou a usar óculos há dois anos, quando tinha cinco, para corrigir um problema de astigmatismo.
“Sempre tivemos uma grande preocupação com a visão e por estarmos atentos descobrimos que o Henzo não enxergava direito, ficava muito perto do televisor e em sala de aula tinha dificuldade em ver o quadro” explica a mãe.

O tempo de exposição aos eletrônicos em casa é sempre controlado, ninguém fica mais que uma hora no celular, por exemplo. A rotina foi estabelecida para que os três desenvolvam o hábito correto de uso dos equipamentos.

Outra preocupação é quanto à importância do uso dos óculos. “Eu e meu marido usamos sempre, a dificuldade é fazer o Henzo usar, ele precisa de 1,75 grau em cada olho, e temos que ficar em cima. No começo era novidade, os óculos eram acessórios interessantes, mas agora a gente tem que insistir e lembrar da necessidade de usar. Até na escola, muitas vezes, ele esquece e deixa guardado na mochila”, conta Graciela.

A saúde dos olhos da família Baggei nunca é deixada de lado e uma vez por ano, todos vão a um especialista para consultar. O acompanhamento de um oftalmologista é parte obrigatória das ações para cuidar da visão.  “Não dá pra brincar! Mais do que manter o grau das lentes ou tratar alergias, é preciso ficar atento às doenças mais graves que podem levar a perda da visão”, finaliza.

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