Postado em 18 de Dezembro de 2019 às 14h16

Cabeça e coração

Gestão de Saúde (33)

Relação bidimensional entre depressão e doenças cardiovasculares desafia medicina a aprimorar diagnóstico e tratamento

Por Keli Magri

O que os transtornos mentais têm a ver com as doenças clínicas? A medicina alerta: tudo! Uma pode agravar o quadro da outra e atuando juntas tendem a aumentar o risco de morte e a piorar o prognóstico. É o que defendem médicos psiquiatras e cardiologistas ao estreitarem a relação entre duas doenças que mais crescem e matam no mundo: depressão e doenças cardiovasculares.

Antes de entrar no universo cardíaco, porém, a psiquiatra e professora da Universidade Federal de Minas Gerais, Maila de Castro Lourenço das Neves, observa que os efeitos clínicos da depressão preocupam todas as áreas médicas.

“A depressão aumenta o risco de desenvolver doenças clínicas e doenças clínicas aumentam o risco de desenvolver depressão. É uma relação bidimensional. A depressão se tornou a principal causa de incapacidade em todo o mundo e é essa ‘paralisia’ que contribui para a carga global de doenças. Além disso, está entre as 10 maiores causas de morte”, alerta a médica ao detalhar a relação entre as doenças.

“Os pacientes com depressão têm mais incidência de doenças coronarianas, artrite, diabetes, hipertensão...Os pacientes com doenças clínicas têm depressão mais que a população geral. A prevalência de depressão em pacientes ambulatoriais pode chegar a 10%. Em pacientes internados, até 16%. Se for oncológico, o número é ainda maior. Pacientes com doenças clínicas também têm o pior prognóstico da doença se eles desenvolverem depressão ao mesmo tempo. Se o paciente tem infarto do miocárdio e está com depressão, tem também mais risco de morrer”.

A relação mente e corpo é um desafio para a medicina que passa a ver como necessidade a inclusão da avaliação dos sintomas de depressão no diagnóstico e tratamento das doenças. Para começar, Maila defende que é preciso eliminar a dicotomia estabelecida entre doenças psiquiátricas e doenças clínicas.

“A gente acha socialmente que o mundo é dividido entre psiquiátricos e não psiquiátricos. Na verdade, essa dicotomia não existe. As doenças psiquiátricas tem uma associação muito importante com as doenças clínicas não psiquiátricas. Se não tratar a depressão, aumenta o risco de ter doença cardiovascular, de ter uma demência, aumenta também o risco de suicídio”.

Onde diagnóstico e tratamento pecam

As diferenças impostas entre doenças mentais e doenças clínicas têm, segundo os médicos, prejudicado o diagnóstico e o tratamento dos pacientes. A defesa dos psiquiatras é para que todos os profissionais, independente da área de atuação, saibam identificar os sintomas de depressão e os levem em consideração na hora de fazer o diagnóstico e indicar o tratamento. Entre eles, estão a maior dificuldade de tratar a doença, a não melhora, não aderência do paciente à dietas e à mudanças, estresse, além de maior incidência de sintomas físicos inexplicáveis e agravo da doença.

Um dos caminhos defendidos pela psiquiatra Maila Neves está na mudança na forma de encarar as doenças mentais. Segundo ela, ainda há preconceito e desinformação referentes à depressão, que levam os pacientes ao estigma e os médicos à imobilidade terapêutica.

“Você já tentou não ter lúpulos? Por que você não reage? Tenta que desaparece. É muito grave tratar uma doença como se fosse uma escolha do indivíduo. A gente está falando de uma doença sistêmica [depressão], que causa alterações no sistema cerebral e na morfologia cerebral. Que é um fator de risco para doenças gravíssimas como Alzheimer, que é fator de risco para doenças cardiovasculares, que mais matam no mundo. Mesmo assim, a gente não diagnostica esses quadros. O que acontece com nós médicos? Por que a gente não consegue diagnosticar e tratar bem esses pacientes? Será que é difícil diagnosticar depressão? Será que a gente erra porque não sabe fazer esse diagnóstico?”

As respostas da médica estão no subdiagnóstico e no subtratamento da depressão, doença muitas vezes vista apenas como uma “tristeza normal”. Os números ressaltam o erro: apenas 35% dos doentes são diagnosticados e tratados adequadamente.

“A gente pensa assim: se a minha mãe tivesse falecido, eu também estaria triste. Se eu tivesse com câncer, também estaria triste. A gente tem muita dificuldade de lidar com a tristeza. Mas é preciso desconfiar e averiguar. Diagnóstico e tratamento de depressão adequados são focos de prevenção em psiquiatria. Prevenção de mortalidade, dias de vidas perdidos, demências, suicídio e doenças cardiovasculares. Diagnosticou? Trata, e trata de maneira efetiva”. 

“A angústia que não se manifesta em lágrima pode fazer outros órgãos chorarem”

É com esta frase que o médico psiquiatra Felipe José Nascimento Barreto, professor do curso de Medicina da Universidade da Fronteira Sul (UFFS) em Erechim/RS, alerta para a relação entre depressão e doenças cardiovasculares. Ele é autor de um estudo feito com 137 pacientes cardíacos internados no Hospital das Clínicas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que verificou os sintomas depressivos em pacientes com doença cardiovascular.

Na mesma linha que a professora Maila Neves, o psiquiatra defende que, por ser uma doença subdiagnosticada e subtratada, a depressão em pacientes com doenças cardiovasculares (DCV) internados resulta no aumento da mortalidade e na piora do prognóstico.

O estudo apontou que dos 137 pacientes cardíacos, 38 ou 27,7% apresentaram sintomas depressivos (número de admissão hospitalar maior, mais dor, traumas e mais dependência de nicotina e de cuidados para atividades básicas). O número representa um terço dos pacientes no período logo após um infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular encefálico. Segundo a pesquisa, apenas nove deles usavam antidepressivos.

“Portadores de doenças cardiovasculares com depressão sofrem por falta do diagnóstico preciso no momento correto. São os pacientes internados em hospitais gerais. 28% destes pacientes apresentam depressão maior que a população geral. No Brasil, a taxa varia entre 26 a 59,1%. Menos de 25% deles são diagnosticados e metade recebe tratamento específico”, explica o médico ao afirmar que a maior incidência é entre mulheres, acima de 60 anos.

Ao pesquisar os fatores associados aos sintomas de depressão, a pesquisa apontou três principais: a dependência de nicotina, o maior número de admissões hospitalares e o histórico de trauma infantil severo.
“A dependência de nicotina aumentou em 8,8% a chance de desenvolver sintomas de depressão nestes pacientes. Ou seja, fumar aumenta o risco de depressão. Também, cada vez que o paciente é internado, a probabilidade de ter depressão aumenta em 11%. A internação por si só é um evento de estresse. O trauma infantil - abuso físico, emocional, sexual e negligência física e emocional - também é um evento estressor, relação já consagrada no meio científico”, detalha.

A tese do psiquiatra também ressalta a relação bidimensional entre depressão e doenças cardiovasculares. Pacientes que têm infarto do miocárdio tem duas vezes mais chance de desenvolver depressão do que a população geral.

“Quem tem depressão, tem mais doenças cardiovasculares e quem tem doenças cardiovasculares tem mais depressão. Essa relação nos faz abrir a cabeça e nos obriga a perguntar para todos os pacientes com sintomas de doenças cardiovasculares: você tem depressão?”.

Para Barreto, essa relação impõe mudança de postura dos médicos na hora do diagnóstico e tratamento.
“Será que precisa ser psiquiatra para iniciar o tratamento de depressão? Isso é trabalho de qualquer médico. É importante saber fazer diagnóstico e não ter medo de diagnosticar. Também, é preciso exames clínicos para avaliar pacientes mais propensos a desenvolver sintomas depressivos, em especial pacientes com doenças cardiovasculares internados em hospitais geral”.

A defesa dos médicos após o diagnóstico é clara: tratar a depressão é base para curar as demais doenças. 

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